Era
Inegável aquele ser sua falta de beleza. Seus olhos transpareciam uma calma, um
poder, gentileza e paz. Mas em seu íntimo carregavam um mal tão grande que
poderiam, com um simples olhar, repelir toda a luz, e que me perdoem a colocação,
seu poder de repelir a luz era quase assustador. Por mais que parecesse um
espécime de perfeita bondade, um homem ético e digno, seus amigos, que é que poder-se-ia
chamar aqueles seres de “amigos”, eram tão obscuros quanto ele. Mas claro, tudo
expresso na mais profunda ilusão de um ser bondoso.
Era
igualmente inegável a força com que tornavam as ilusões e mentiras que construía
nas mais absolutas e inquestionáveis verdades. Ele era capaz, e como era, de distorcer
a tudo e a todos. A realidade para ele era como uma massa de modelar, poderia (e
deveria!) ser moldada a sua maneira. Moldada aos seus olhos, aos seus obscuros
olhos. O mundo parecia ser o parque de diversões que ele, em seu íntimo
explícito, sempre desejara brincar.
E
por mais que seus pacíficos e tenebrosos olhos fossem de um castanho escuro
único, seu corpo não transparecia a imensidão de seu espírito, ou talvez, ele
quisera assim. Desde sua infância. Ele planejou tudo, desde seu jeito não tão
comum de se expressar e de agir, à forma como seu corpo se movia, que seus
olhos, nariz, orelhas e boca se agitavam em um complexo imperfeito; até mesmo
sua voz estranha e desagradável. Ele projetou seu corpo de forma a mostra-se um
tolo, um idiota, um ser detestável, para que assim as pessoas não percebessem o
seu real eu.
E
esta não foi sua única preposição, ele se projetou desde o início para que as
pessoas não vissem, para que as pessoas não compreendessem a Verdade ali
escondida. Naquele ser de extrema estranheza, de palavras gentis e gestos
bondosos, unidos a uma educação quase única faziam daquele ser um espécime humano
notável. Seu excesso de Humanidade esconderia a loucura que ali estava, que há
muito Jazia.
E
não que não pudesse, como em um devaneio insano, dominar o mundo: ele poderia.
Mas é que ele não queria. Bastava para ele saber e sentir, saborear e se
divertir com tudo aquilo. Ele apenas desejava sentir os sabores que aquele
mundo aparentemente normal, mas, que na mais profunda verdade, era distorcido e
manipulado, poderia lhe oferecer. O Sabor? O melhor de todos. Era agridoce, era
diferente de tudo que ele já provara: era bom. E aquele era um sabor que ele
não gostaria de abandonar, ainda não.
Mas
como ele já cansara de repetir, no dia que se tornar chato, habitual e aqueles
sabores se perderem: ele iria, sem pensar duas vezes, abandonar aquele mundo.
Viver novas experiências, provar novos sabores. Contudo até lá, só restava a
ele se divertir e saborear, juntos com aqueles “amigos” previamente e
seletamente escolhidos. Aqueles que seriam tudo o que ele queria, aqueles que
cresceriam em sua escuridão, aqueles seus amigos.
E
o mais engraçado naquele ser, era o fato de saber o seu poder. Até onde poderia
chegar, escondido em um falto altruísmo, em uma falsa humildade, assim como em
uma falsa arrogância, ele se permitia deleitar-se sobre aquela realidade
manipulada. E o que mais lhe agradava, era o fato de ninguém se quer imaginar
tudo aquilo que se passava.
Aquele
ser, cujos olhos transpareciam o mais profundo mal, jamais seria percebido. Ele
fazia de sua verdade algo inconsequente algo que jamais poderia e seria notado.
Não sem que ele interferisse, não sem ele se definir, sem ele explicar e sem
ele demonstrar. Mas o que ele realmente adorava era o fato de poder se mostrar,
e mesmo assim não ser notado. Ele praticamente gritava, e as pessoas não
percebiam. Seja por não querer entender, seja por serem incapazes de entender.
No fim, aquele ser apenas sabia: aquele mundo à ele nada interessava e logo,
logo estaria acabado.
Afinal, em breve tudo estaria concluído.